DE AGOSTINHO NETO A NETANYAHU

O general João Lourenço, Presidente de Angola, Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, defende a soberania da Palestina, exortando o Conselho de Segurança Nações Unidas a dar “passos concretos” para a materialização das suas resoluções, visando travar o conflito, “antes que o povo palestino seja completamente exterminado”.

João Lourenço entende ser o momento de os países demonstrarem solidariedade para com o povo palestiniano “porque tem o mesmo direito a um território dentro de um Estado livre e soberano por criar”.

“Antes que o povo palestiniano seja completamente exterminado, enquanto é tempo, as Nações Unidas, nomeadamente o seu Conselho de Segurança, devem dar passos concretos para a materialização das suas próprias resoluções que reflectem a vontade expressa da esmagadora maioria dos seus Estados membros”, disse.

Para o chefe de Estado angolano, que falava na cerimónia de cumprimentos de Ano Novo ao corpo diplomático acreditado em Angola, a criação de um Estado independente e soberano da Palestina “é a única forma de se pôr um fim definitivo a este velho em muito violento”.

“Colocando os dois povos, judeu e palestiniano e os dois Estados, de Israel e da Palestina, a viveram lado a lado, em paz e harmonia, cooperando de forma normal, como é suposto acontecer em países vizinhos que partilham fronteiras comuns”, frisou.

A actual guerra entre Israel e o Hamas foi desencadeada por um ataque sem precedentes do grupo islamita (libertador? terrorista?) no sul do território israelita, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez mais de 200 reféns (dos quais mais de 100 permanecem em Gaza), em 7 de Outubro.

O Presidente angolano lamenta mesmo a guerra que persiste na Faixa de Gaza considerando que, “não obstante o direito que cabe a Israel de defender o país e proteger os seus cidadãos”, assiste-se há mais de 100 dias a uma “reacção desproporcional que vitimou mais de 25.000 cidadãos palestinianos, entre os quais milhares de crianças indefesas”.

“A história vai condenar-nos no futuro se mantivermos hoje o silêncio cúmplice e nada fizermos para se acabar com este massacre de civis que acontece na Faixa de Gaza”, exortou João Lourenço, falando aos diplomatas acreditados em Angola.

O general Presidente manifestou “apreensão” para com os conflitos que ocorrem, nos últimos anos, em diferentes continentes, exemplificando a guerra entre a Rússia e a Ucrânia: “O mundo não pode aceitar que a lei do mais forte prevaleça sobre a ordem internacional estabelecida”, apontou.

João Lourenço condenou as mudanças inconstitucionais em África, “que vêm ocorrendo com frequência e impunidade dos seus autores”, salientando que Angola encara a questão da paz, da estabilidade e da reconciliação nacional em África, como uma componente essencial da sua diplomacia.

As iniciativas de Angola para a resolução de conflitos que assolam a República Democrática do Congo, República Centro Africana, Moçambique e no Sudão foram ainda destacadas por João Lourenço. Compreensivelmente João Lourenço esqueceu-se de falar de uma outra “guerra”, esta pela sobrevivência, dos mais de 20 milhões de angolanos que são pobres e que estão a “evoluir” para miseráveis.

João Lourenço manifestou ainda convicção de que as conquistas internas alcançadas por Angola no plano material “terão uma sustentabilidade mais duradoura e sólida, se tudo isso se processar dentro do quadro da construção do Estado democrático e de direito”.

“No âmbito do qual demos sequência à algumas das preocupações da nossa nação que têm a ver com a melhoria e consolidação dos direitos, liberdades fundamentais e garantias dos cidadãos, da transparência na governação e proximidade governativa, o combate à corrupção e a impunidade bem como a necessária independência e harmonia entre os diferentes poderes do Estado”, concluiu.

Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos

As acções militares de Israel já fizeram talvez mais de 35 mil mortos palestinianos. Um verdadeiro genocídio condenável em toda a sua extensão. Um crime contra a humanidade. Fica-nos, contudo, uma dúvida. Se estes números significam – e significam mesmo – genocídio e crime contra a humanidade, que designação deve ser dada aos massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados por Agostinho Neto, em que foram assassinados talvez 80 mil angolanos?

Sabendo o que diz mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinha na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.

Terá João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando cerca de 80 mil angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?

Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.

O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?

Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.

Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.

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